
Comprei esse livro em uma feirinha literária de um shopping aqui da cidade onde moro. Quase todos os livros por lá custam R$ 10,00, então, sempre que dou uma passada, tento garimpar alguma pérola. Foi assim que eu trouxe Desamparo para casa, confiando na sinopse e comentários na orelha do livro.
Trouxe e esqueci na estante por uns bons 8 meses. Mas como minha meta de leitura para 2020 é ler tudo (ou pelo menos a maior parte) do que estava parado por aqui, peguei este romance para ler na quarentena, acreditando (não me pergunte por qual motivo) que seria um daqueles livros que fazem a gente se apegar aos personagens e aquecem o coração no final.
Eu nunca hei-de ser velha; nem sequer aprendi a ser moça. (Pág. 21)
Bem, acho que foi com essa intenção mesmo que ele foi escrito. Mas a autora não conseguiu chegar lá. Ou, pelo menos, eu não consegui chegar lá com ela. Existe a possibilidade de que o livro ser escrito em português de Portugal ter dificultado essa conexão, mas acho que não esse seja o único vilão. O que acontece é que, logo no início da história (e desde a sinopse, na verdade) somos apresentados a Jacinta, uma senhorinha portuguesa que foi levada pelo pai ao Brasil quando ainda era uma criança e só retornou a sua pátria depois dos 50 anos (não é spoiler, eu juro).
E Jacinta é, realmente, uma personagem da qual facilmente gostamos. Ela não é a "vovozinha dos contos de fada" e sim uma senhora que, ao fim da vida, se recorda dos seus erros e acertos, aceitando para si e para nós, leitores, que fez o que pode com as situações adversas pelas quais passou. E um mérito bônus: ela fala das dores e amores da maternidade e desmistifica um bocado desse "sonho de ser mãe". Na verdade, não apenas essa personagem, mas durante todo o livro temos esses vários lados, várias formas de encarar essa responsabilidade estão presentes.
Além de Jacinta, acompanhamos também a perspectiva do seu filho mais novo, Raul. E é aqui que mora o grande problema, ao meu ver. Numa tentativa de criar um panorama da depressão econômica vivida em Portugal no início dos anos 2000, a autora acabou por tornar este personagem que passa absolutamente todos os capítulos que protagoniza sentindo pena de si mesmo. E mesmo que ela seja consciente disso na história, ainda assim é muito penoso ao leitor acompanha-lo. Mesmo quando as coisas melhoram para ele, a sensação deprimida que ele passa faz a leitura ficar com um gosto amargo.
No fim, fiquei com a sensação de que a história que realmente valia a pena ser contada, a de Jacinta, foi colocada de lado para oferecer um protagonismo desnecessário a sua cria lamurienta. Um outro probleminha é a quantidade de personagens secundários, que pouco acrescentam e, em alguns momentos, até complicam a compreensão de para onde a história está se desenrolando. Personagens que são apresentados no início do livro e que só revemos muito depois, quando até mesmo nos esquecemos de que estavam por ali.
E tudo bem, não é que o livro seja de todo ruim. É muito bem escrito e tem reflexões pertinentes ainda hoje. Mas a sensação que fiquei é de que a história não alcançou todo o seu potencial. Infelizmente.
Cada um é como é, e eu, se deixasse de sonhar, morreria de melancolia. (Pág. 149)
Inês Pedrosa é formada em ciências da comunicação e trabalhou na imprensa, no rádio e na televisão. Já dirigiu a revista Marie Claire e a Casa Fernando Pessoa. Além disso, mantém há 13 anos uma crônica semanal no periódico Sol. Tem 23 livros publicados, entre romances, contos, crônicas, biografias e antologias.
![]() |
Comprando qualquer produto através dos links do Palavra Afetiva, você não gasta nada a mais por isso, mas me ajuda com uma pequena comissão para manter esse projeto de pé! |

0 Comentários