
Com frequência fazíamos perguntas cujas respostas já sabíamos. Talvez fizéssemos isso para não precisarmos formular as outras perguntas, aquelas cujas respostas não queríamos ouvir.
Fazia bastante tempo que um livro não me incomodava tanto. Não me entenda mal, o livro é extremamente bem escrito e quanto aos aspectos da linguagem e narrativa, é simplesmente impecável. Mas essa é uma história escrita em camadas, e nenhuma delas é de fácil digestão. Logo sob a superfície encontramos a mais estúpida de todas elas, a violência doméstica.
Eugene, pai de Kambili (nossa personagem principal e narradora da história) é um homem adorado pela comunidade em que vive, seja pela sua índole, seja pelas inúmeras doações que faz. Catequizado e criado por padres missionários que ofereceram educação a ele e a sua irmã, Eugene se tornou, enquanto adulto, um fanático religioso. E pior, um reflexo dos abusos de autoridade que o mesmo sofreu durante a infância.
Sabemos disso desde as primeiras páginas do livro. No momento em que ele destrói os bibelôs da esposa, nas passagens em que a autora “solta” no meio do texto uma pancada vinda do quarto dos pais ou um olho roxo na face da mãe de Kambili. Observações que a garota faz com naturalidade, como coisas que simplesmente acontecem, coisas cotidianas. São avisos. E se você é sensível a esse tipo de gatilho, já saiba desde já que esse livro vai te provocar algumas angustias bem profundas.
Outro aspecto latente dessa história é a intolerância religiosa. Eugene não fala com o próprio pai. Só permite que seus filhos o visitem por 15 minutos, uma vez por ano. O motivo? Seu pai é um tradicionalista, recusa-se a se converter ao catolicismo. Exigência que o pai da garota faz a todos aqueles que desejam usufruir de suas boas ações, diga-se de passagem. Enquanto eles vivem em uma mansão, o avô de Kambili passa pelas mais aterradoras adversidades durante a velhice.
Em contraponto ao peso que Eugene representa na história, somos apresentados também a Ifeoma, sua irmã. E preciso confessar que ela é, de longe, minha personagem favorita dessa história. Mãe solteira e professora universitária, ela é a prova viva de que o que deu errado no irmão não foi a religiosidade, e sim a violência. Ela também foi catequizada, mas isso não a impede de respeitar aos outros e as escolhas pessoais de cada um.
E é justamente quando Kambili e o irmão, Jaja, tem a oportunidade de passar algumas semanas na casa da tia é que temos a oportunidade de analisar os mais diversos aspectos dessa história. Ifeoma sofre diretamente com os problemas políticos pelos quais o país passa. E ainda assim, Ifeoma e seus filhos são felizes. E é num lar simples, com apenas um banheiro, comida regrada e pouco espaço, que Kambili e Jaja aprendem que também são capazes de sorrir.
Vou concluir essa resenha por aqui, antes que eu acabe dando algum spoiler muito severo. Mas esse é o tipo de livro sobre o qual cada ponto apresentado lá na sinopse da história pode render uma discussão de horas a fio ou pelo menos um longuíssimo ensaio. Se vale a pena a leitura? Muito. Mas não é uma leitura fácil e não recomendo que assim seja encarada. Quem lê apenas pela superfície da história, perde todo um mundo de referências e novas percepções que são postas na Nigéria, mas que cabem muito bem aqui, no nosso dia a dia, no nosso país.
Eu sorrira, correra, rira. Meu peito estava repleto de alguma coisa parecida com espuma de banho. Leve. A leveza era tão doce que eu podia sentir seu gosto na língua, tinha a doçura de um caju maduro, amarelo-vivo.
Chimamanda Ngozi Adichie é nigeriana. Escritora reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras anglófonas, ela atrai tanto a nova quanto a velha geração de leitores para a literatura africana. Tem seis livros publicados até hoje, além de contos, sendo Hibisco Roxo seu romance de estreia.
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