"Ela não sabia se seu dom vinha do senhor da luz ou das trevas, e agora, descobrindo afinal que, para ela, tanto fazia, sentiu um alívio quase indescritível, como se tivesse se livrado de um peso enorme, que carregava havia muito tempo nos ombros." (p. 87)
Carrie é uma adolescente normal — eu sei, se você conhece algo sobre essa história, está pronto(a) para discordar de mim. Mas ela é uma adolescente insegura, que tem problemas familiares, horríveis, por sinal, e que tem uma queda pelo garoto bonito da sala. Ela sofre bullying por não se enquadrar nos padrões estéticos, assim como pelo seu “comportamento esquisito”.
Não sei como estão as escolas hoje em dia, mas na minha época de ensino médio, essa descrição poderia se aplicar a metade das meninas de cada turma (guardadas as devidas proporções), enquanto a outra metade parecia ter saído diretamente do elenco de um filme da Sessão da Tarde. Não, elas não eram más. Mas estavam bem próximas do estereótipo. Vou deixar você adivinhar em qual metade eu me encaixava.
Só que Carrie extrapola os estereótipos: sua mãe não é só religiosa, é uma fanática que deturpa a realidade e força a própria filha a fazer parte de sua loucura. E o bullying que a nossa personagem principal sofre é muito mais brutal do que um comentário maldoso -- são ações que ferem profundamente não só o seu emocional como também sua integridade física.
Agora que te lembrei como é ser uma garota adolescente fora dos padrões, imagine o que essa garota, levada ao extremo, pode fazer quando descobre ter um poder telecinético não só capaz de mover objetos, mas de torcer a física ao seu desejo...
Carrie, a Estranha é um livro curto, narrado em formato “documental”, com trechos de notícias, livros, entrevistas etc. Minha edição tem exatas 200 páginas, e a história se passa num curto período de tempo: entre o incidente no vestiário, quando Carrie menstrua pela primeira vez e é humilhada pelas colegas de turma, até a fatídica noite do baile de formatura (o que deve cobrir cerca de dois meses).
![]() |
Comprando qualquer produto através dos links do Palavra Afetiva, você não gasta nada a mais por isso, mas me ajuda com uma pequena comissão para manter esse projeto de pé! |
Tá, mas por que eu gosto tanto de uma história que, falando assim, parece até bem simples? Bom, eu gosto exatamente disso! A história de Carrie poderia ser só mais um drama adolescente norte-americano sobre desajuste social, mas quando King decide unir elementos sobrenaturais a essas histórias, ele cria profundidade e consegue nos entreter ao mesmo tempo que nos faz refletir:
Quão perigoso o fanatismo pode ser na vida de alguém? Como uma criança pode se tornar vítima, mesmo que seu responsável legal esteja apenas “exercendo seus direitos”? Quanto permanecer cegos às emoções dos nossos adolescentes pode ser um perigo para eles e para os outros ao seu redor? Quão corretos estamos ao buscar um culpado pelas atrocidades que acontecem, em vez de nos concentrarmos em como aquilo chegou a acontecer -- e como podemos prevenir?
Enfim, é como cebolas (se você viu Shrek, vai entender).
Mas preciso alertar: eu não percebi tudo isso na primeira leitura. Na verdade, da primeira vez, passei boa parte do tempo tentando me manter no ritmo, porque o formato de narração me deixava confusa e desinteressada. As camadas só vieram com a maturidade: como leitora e como adulta, mesmo.
"Ainda não se sentia confortável em relação aos próprios motivos e tinha medo de analisá-los mais profundamente, receando descobrir uma pérola de egoísmo brilhando e piscando para ela do veludo negro de seu subconsciente." (p. 129)
Stephen King é um escritor norte-americana nascido em 1947. Seus livros já venderam mais de 400 milhões de cópias, com publicações em mais de 40 países. Seu primeiro livro, Carrie, a estranha, foi publicado em 1970.
Carrie, a estranha
★★★★☆
Autor: Stephen King
Tradutora: Adalgisa Campos da Silva
Suma, 200 páginas
0 Comentários